Senso comum, obstáculo à mudança
Um
paradigma (do grego “paradéigma”/modelo) serve para indicar os rumos do
conhecimento, das relações sociais (família, escola, classes sociais), das
crenças, das artes, do desempenho econômico. Enfim, o tipo de cultura que ditou
a maneira do homem interpretar a realidade, o mundo, em determinadas épocas.
Para
que haja avanços civilizatórios é necessário que paradigmas sejam quebrados,
ultrapassados. É necessária uma desconstrução de todo um modo de pensar (um
paradigma é insuperável até deixar de sê-lo - Popper).
Somente
uma mudança radical na forma do homem pensar pode propiciar uma verdadeira e
radical mudança na sua atitude perante o outro e o mundo e ele mesmo.
O
maior obstáculo a qualquer mudança é o “senso comum”, ou seja, o modo de pensar
próprio do coletivo que constrói suas verdades a partir do que é dito e ouvido
(do que “rola”) no ambiente mundano (p.ex. jornais, revistas, livros de
auto-ajuda, novelas como meio de disseminação de valores).
As
premissas próprias do “senso comum” negam a mudança no tempo e no espaço para justificar
a imobilidade, pensar o mundo como algo permanente, seguro e sem surpresas: “o mundo sempre foi assim” (premissa
que nega a possibilidade de mudança no tempo histórico) e “todo mundo faz isso” (premissa que nega a possibilidade de mudança
no espaço social).
A
seguir, cito alguns âmbitos onde a aparência do “conhecimento” compromete o
verdadeiro conhecimento: deformação na educação que se transforma a cada dia
num método de reprodução do já existente e estabelecido, adestramento, e não de
reflexão; informações, costumes e valores superficiais difundidos na TV; visão
de mundo através de perspectiva ideológica ou religiosa (a essência de qualquer
ideologia, mera religião sem deus, é sempre afastar, excluir tudo que é
contrário ao seu ideário*); dependência da tecnologia e do mercado (preciso
ter, não ser).
(*)
Ideologia – bitola estreita para orientar o pensamento. Não existe pensador
católico, nem pensador marxista. Só existe pensador preso a nada, que pensa, a
todo risco. A ideologia leva à idolatria, à feitura e adoração de mitos (Millôr
Fernandes, revista Veja 30/01/2008).
Como
antídoto a essas premissas (perigosas por promoverem a inércia através da
apologia da mesmice), coloco as seguintes questões à nossa reflexão:
O
mundo de hoje é muito menor (espaço) e muito mais rápido (tempo) que o mundo
antigo e medieval. O que significa uma diferença radical.
As
atitudes, escolhas, opções e ações tomadas hoje pelo homem, dada a sua
amplitude e abrangência nesse diminuto mundo global, podem comprometer como
nunca antes a sobrevivência do planeta.
Nas
palavras de Amin Malouf, em seu livro “O mundo em desajuste”: “Se algumas
comunidades sobreviveram, séculos após séculos, foi porque o destino delas
estava ligado principalmente a peripécias locais e não constantemente afetado
por todos os acontecimentos do planeta. Quando um incidente grave acontecia num
vilarejo, muitas vezes semanas eram necessárias para que o restante da região
ouvisse falar dele, o que limitava suas repercussões”. Exatamente como a expansão
das doenças contagiosas na atualidade.
Um
déspota da Roma antiga, dado o seu espaço restrito de atuação no planeta, não
comprometia todo um processo civilizatório. Hoje, líderes de poderosas nações (como
os EUA, a China ou a Rússia) podem promover muitos desastres (bélicos,
ecológicos, sociais, econômicos e políticos).
Nero,
déspota romano, era infinitamente mais perigoso (louco) que Bush. Mas, um
dirigente egocêntrico, hoje, com o dedo no botão que aciona os mísseis em
direção aos “inimigos”, tem intensificada à centésima potência a sua
periculosidade.
O
mundo global é tão pequeno que um conflito regional e localizado (em países “insignificantes”)
é apenas aparentemente regional, porque, hoje, todos os interesses são
globalizados, e traz em seu rastro uma importância geo-política que tem o poder
de repercutir no planeta como um todo. Ações semelhantes tomadas no passado
(quando o nosso planeta era composto por milhares de micro regiões) e hoje
(quando vivemos apertados num único micro mundo) se mostram totalmente
diferentes por conta do fator “repercussão”.
Injustiças
sociais, políticos que corrompem o tecido social, político e econômico de um país,
violência, esvaziamento do pensamento e da reflexão, decadência, atitudes
egocêntricas, drogas, poder, desejo, mercado, alienação, tudo isso e muitas
outras atitudes tem hoje um poder de disseminação, contaminação social,
política e econômica infinitamente superior a qualquer outra ameaça que um
tirano ou grupo social possa ter praticado contra o seu espaço físico em seu
tempo.
A
presença do homem no planeta se tornou um fator de perturbação do ambiente,
pela prática de ações que vem abalando o solo que lhe dá guarida,
desestabilizando o corpo que lhe dá vida, solapando as bases de que depende sua
própria existência.
Nas
palavras de Günter Anders (*): “Há uma distância entre nossa capacidade de
fabricar e realizar e a nossa incapacidade de imaginar as conseqüências do que
fabricamos. Nossa percepção não está mais à altura do que podemos produzir”.
(*) Anders Günther Anders, pseudônimo de Günther
Stern jornalista, filósofo e ensaísta alemão de
origem judaica. Doutorou-se em filosofia, em 1923, sob a orientação
de Edmund
Husserl.
O
homem não se tornou pior, apenas as suas ações se tornaram mais carregadas
de conseqüências.
Para
Günther nada prova de fato que os homens de agora, que cometeram erros
monstruosos, organizaram genocídios, sejam piores do que os de gerações
precedentes. Apenas, as possibilidades técnicas disponíveis na nossa época
provocam danos que jamais poderíamos imaginar possíveis, e cada vez mais perto
do irreparável.
Freud,
em seu ensaio “O mal estar na civilização” adverte para a possibilidade de destruição
total, em decorrência do progresso da racionalidade na técnica e na ciência
como fatores que geraram um potencial jamais visto da violência humana (não
mais os atos violentos em disputas territoriais regionais, como nas guerras
passadas, mas o estado de violência e todo seu potencial de destruição fora de
controle das decisões humanas).
“Os
homens alcançaram tal domínio sobre as forças da natureza que lhes tornou fácil
hoje em dia servir-se delas para se exterminarem mutuamente, quem sabe até o
último homem” (Freud).
O
mais incrível é que o homem sabe disso, daí provém uma boa parte da inquietação
atual, de seu mal-estar e de sua angústia. Saber que forças incontroláveis se
movem, sem que haja um centro de comando humano que possa decidir a continuidade
ou não do mesmo. Somos todos responsáveis, e ao mesmo tempo ninguém se
considera responsável por não ter o poder de controle sobre os acontecimentos.
O
processo superou, desprendeu-se da vontade do homem.
Nas
palavras de um homem qualificado para refletir sobre o nosso destino (Freud em
seu diálogo com Einstein, transcrito no livro Guerra e morte): “Mas quem é que
poderá prever o resultado e o desfecho”.
Para
concluir: nem sempre foi assim, e nem todo o mundo faz assim, pois o mundo, com
o tempo, mudou e cada vez vai mudar mais em curtos espaços de tempo.
Portanto,
temos que considerar que hoje vivemos sob uma nova realidade, mundo
pequeníssimo e tempo velocíssimo. Tudo dos encaminha (empurra) para as atitudes
apressadas e para os pensamentos superficiais (por conta da falta de tempo) e
unidimensionais (por conta da alienação, da massificação a que somos
constantemente submetidos).
Nunca
os seres humanos estiveram, espacialmente, tão próximos, mas tão distantes dos
seus iguais.
24/12/2010
(alterado em 09 de novembro de 2014)
Santacruz
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