Antropocentrismo ou alteridade?
O
nosso mundo constitui apenas uma parte ínfima do universo. A nossa galáxia, a
Via Láctea, é uma diminuta ilha composta de bilhões de estrelas, da qual o Sol
e seus planetas fazem parte.
A necessidade
de uma explicação para o cosmo, e para esse acontecimento que é a vida (e a
morte), acompanha o homem em toda a sua história.
Não
dispormos de nenhuma resposta segura para o porquê da vida e da morte é a razão
da angústia que nos impele na busca de um significado para a nossa existência,
sendo a origem de todos os mitos, todas as religiões, da filosofia e da própria
ciência.
A
forma que o homem encontrou para apaziguar essa angústia foi acreditar que
possui nos planos da natureza um lugar necessário, que a sua presença no
universo é necessária, fruto dos desígnios divino e não do acaso.
Antropocentrismo
O
narcisismo universal do homem sofreu três golpes: o cosmológico, o biológico e
o psicológico. Verdadeiras revoluções
demolidoras do nosso antropocentrismo, que revelaram ao homem a sua verdadeira dimensão em relação ao cosmo,
aos outros seres vivos e a si mesmo.
Copérnico, ao desmentir o geocentrismo e afirmar o
heliocentrismo, retirou o homem do centro do Universo. Simplesmente habitamos
um planeta que não é o centro do universo, nada especial, perdido entre bilhões
de tantos outros planetas e galáxias.
Darwin, com a teoria da evolução das espécies, mostrou que a nossa espécie
evoluiu das primeiras macromoléculas até as formas de vida que hoje conhecemos,
ou seja, somos apenas o estágio mais avançado da evolução da vida.
Freud ao revelar a existência do inconsciente desmistificou as pretensões de
soberania da razão entre os herdeiros do Iluminismo.
“O
ego não é senhor da sua própria casa”, o nosso consciente não é a principal
fonte que comanda nossas ações, desejos e medos. As nossas escolhas, tidas como
racionais, não se encontram totalmente sob nosso controle, pois estão sujeitas
aos ecos do nosso inconsciente.
Não
passamos de uma pequena jangada navegando à deriva no imenso e revolto mar do
inconsciente.
Finitude
Os
referidos impactos, tudo indica, não foram suficientes para dissuadir o homem
da sua pretensão, enquanto espécie, a uma ascendência divina que lhe conferiu a
distinção da eternidade.
É
provável que um quarto impacto sobre o narcisismo do homem venha a ser definitivo: o reconhecimento da sua transitoriedade.
O
excesso, por mais estranho que possa parecer numa análise apressada, já traz em
si a perda, a falta.
Se
a vida fosse eterna, talvez, não fosse tão valorizada. Do mesmo modo, a
esperança de outra vida após a morte subvaloriza a vida terrena. Somente a
iminência da perda valoriza o que se tem, posto que provisório.
A
vida é um aqui e agora sem nenhum futuro garantido, cada dia é uma conquista
frente ao tempo.
Ao
acreditar que a morte é a elevação para uma forma de vida superior, que lhe
garantirá o desfrute da eternidade, o homem está negando a morte, desprezando a
vida, e enfraquecendo o esforço de preservação da espécie .
O
reconhecimento da nossa finitude talvez seja a única forma de garantir a
sobrevivência da nossa espécie. Trata-se de um paradoxo: para sobreviver como
espécie o homem precisa, antes, aceitar a sua própria morte (frente à
inexorabilidade da morte o homem tende a valorizar a vida, e, consequentemente,
valorizar a sua relação com o mundo e com o outro).
Devemos
definitivamente reconhecer que seguiremos ordinariamente o mesmo ciclo
universal de todos os demais elementos do cosmo: um início, uma existência e a
inexorável dissolução.
O homem, predador do planeta e de si
mesmo
O homem,
que é o ser mais influente no nosso planeta, vem travando uma luta entre as
ações que favorecem a preservação do planeta e aquelas que contribuem
para a sua destruição.
As
atitudes e ações tomadas hoje pelo homem, dada a sua amplitude e abrangência nesse
diminuto mundo global, podem comprometer como nunca antes a
sobrevivência do planeta.
A
presença do homem no planeta se tornou um fator de perturbação do ambiente,
pela prática de ações que vem abalando o solo que lhe dá guarida,
desestabilizando o corpo que lhe dá vida, solapando as bases de que depende sua
própria existência.
Nas
palavras de Günter Anders: “Há uma distância entre nossa capacidade de fabricar
e realizar e a nossa incapacidade de imaginar as consequências do que
fabricamos. Nossa percepção não está mais à altura do que podemos produzir”.
Segundo
Anders, não se trata de considerar que os homens de agora sejam piores do que
os de gerações precedentes, mas, apenas, as possibilidades técnicas disponíveis
na nossa época podem provocar danos antes impensáveis e cada vez mais perto do
irreparável. O homem não se tornou pior, mas as suas ações se tornaram mais
carregadas de consequências.
Vivemos,
hoje, diante da possibilidade de destruição total do planeta, em decorrência do
desvirtuamento no uso da técnica e da ciência que propiciou um potencial de
destruição jamais alcançado pelo homem.
O
mais incrível é que sabemos que forças aparentemente incontroláveis se movem
sem que haja um centro de comando que possa decidir a continuidade ou não das mesmas.
Somos
todos responsáveis e, ao mesmo tempo, ninguém se considera responsável por esse
estado de coisas, por esse processo que parece estar fora do controle do homem.
Se o processo se desprendeu da vontade do homem, quem poderá prever o
resultado, o seu desfecho?
É
uma questão de sobrevivência do planeta e da raça humana reverter esse
processo: os recursos naturais tratados como simples matéria-prima, sem o menor
cuidado com a preservação da natureza; a exploração do homem pelo homem,
considerado como mera mão de obra para a produção; o consumismo que se apoderou
do nosso modo de ser, hoje assentado sobre a tecnologia, a economia e o
mercado, reduzindo tudo em mercadoria e oportunidade de lucro.
Alteridade
Eu
não sou simplesmente eu, sou o mundo, sou o outro; mas não sou o outro, nem o
mundo; sou eu e o mundo e o outro em contínua relação; o meu próprio existir
somente acontece no existir do mundo e do outro.
Alteridade
é um conduzir-se para além de si, ser em si através da relação com o mundo e
com o outro.
O
homem não é um “ser para si”, não é primordialmente um “Eu”, o ser humano existe em co-pertencimento com o mundo
e com o outro; o homem somente “é” no vínculo, na relação, que vai tecendo com
o mundo e com o “outro”. É a partir dessas relações que o homem e o mundo
adquirem sentido.
É
no reconhecimento da necessidade de uma mudança no seu modo de ser (hoje
totalmente moldado pelo subjetivismo) que o homem poderá preparar o advento de
uma nova ordem verdadeiramente humana que o harmonize com a sociedade (os
outros homens) e com a natureza (o mundo).
Pertence
ao homem o destino do mundo: a sua destruição ou reparação.
A
natureza das nossas ações, no presente e no futuro imediato, é que determinará
a tendência que predominará. Poderemos garantir uma existência mais longa para
o nosso planeta e, portanto, para a nossa espécie, ou poderemos
irremediavelmente comprometer a nossa existência.
João
Carlos Santacruz / março de 2008
Bibliografia
(1) “A origem da vida e o destino da matéria” (Luiz Carlos
Bruschi, doutor em histologia pela USP).
(2) Marcelo Gleiser, professor de física teórica - Folha
de SP, 13/07/2008, Mais ciência.
(3) “O acaso e a necessidade” – Jacques Monod (Prêmio
Nobel de Fisiologia e medicina em 1965).
(4) “Guerra e
Morte” – A negação da morte de Gley Pacheco Costa (Pós-graduado em Psiquiatria
pela UFRGS, Membro da Associação Psicanalítica Internacional).
(5) “Ecce homo”, prólogo § 2 - Nietzsche.
(6) “A distância entre o que somos capazes de produzir e o
que somos capazes de imaginar” – Günter
Anders (filósofo, aluno de Husserl e, posteriormente, de Heidegger e assistente
de Max Scheler).
(7) Filosofia, introdução ao pensar – Leda Miranda Hühne
(Professora e editora da Revista de Filosofia SEAF).
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