quinta-feira, 1 de outubro de 2015

O homem Jesus

“Jesus como Deus, duvidoso, como homem um grande filósofo” (frase que ouvi quando jovem, mas não me recordo em que contexto).
Hoje, lendo um livro de Ernest Renan (filósofo e literato que se empenhou em aplicar uma filologia crítica aos textos sagrados do ocidente monoteísta), me lembrei dessa afirmação sobre o homem Jesus.
Indiscutivelmente, Jesus é a figura central da história do ocidente. Nosso tempo é contado a partir da data do seu nascimento.
Mas quem foi, realmente, esse homem.
Um andarilho perturbado, contador de parábolas, anunciando novos tempos? Um simples curador e exorcista de demônios?
Um dos tantos subversivos da palestina? Profeta ou crente fanático que pregava uma nova fé?
Foi por seus preceitos morais, pelas suas máximas que se tornaram moeda corrente nas sinagogas, pelo Sermão da Montanha, que Jesus foi crucificado? Certamente não, responde Renan.    
Jesus foi morto porque dizia algo a mais.
Cada qual queria fazer de Jesus um sábio, um filósofo, um patriota, um moralista, um santo, o filho de Deus.
Ele não foi nada disso. Foi um ENCANTADOR (Aqui temos o poeta Renan).
Era um homem fora da regra, foi torturado e morto para se submeter a ela (como Kaspar Hauser no maravilhoso e rico em simbolismos filme do cineasta alemão Werner Herzog).
“Kaspar Hauser, um personagem humano que não correspondia, na época em que viveu (séc. XIX), aos padrões de comportamento tidos ou esperados como "normais" dentro da cultura da época.
Após algum tempo de convivência com a comunidade de Nuremberg, Kaspar Hauser passa a representar um incômodo, pois vê com outros olhos a realidade, que aos olhos dos outros estava tão bem ordenada: os olhos "subversivos" que não aceitam os referenciais que a sociedade insiste em lhe impor, negando, de certa forma, a ordem social vigente” (Psicologia USP, O enigma de Kaspar Hauser: uma abordagem psicossocial - Maria Clara Lopes Saboya)
Sim, Jesus foi um encantador (palavra poética e precisa).
Sim, um filósofo sem escola que nos legou uma nova, novíssima, mensagem de amor, doação, fé e liberdade.
Percebo como a mensagem de Jesus é atual quando leio os pensadores contemporâneos “pregarem” o modo de ser da alteridade, como uma forma de superarmos nosso destrutivo egocentrismo cartesiano (próprio do nosso tempo, individualista, competitivo, utilitarista): “O homem não é um “ser para si”, não é primordialmente um “Eu” (uma consciência, uma racionalidade), o ser humano existe em co-pertencimento com o mundo e com o outro (é alteridade); o homem somente “é” no vínculo, na relação de unidade, que vai tecendo com o mundo e com o “outro”. É a partir dessas relações que o homem e o mundo adquirem sentido.
A alteridade se sobrepõe à subjetividade e à noção do ser como absoluto, quando o relativiza ao tecê-lo no conjunto das relações de um universo de seres.
O mundo é sempre o mundo compartilhado com os outros (homens e natureza). O ser humano é um “ser-com” os outros” (pensamento heideggeriano que tem orientado, e muitas vezes desorientado, os mais importantes pensadores contemporâneos).
  
E Jesus não disse exatamente isso?

Nem o mais radical dos ateus deveria desprezá-lo, pois não, importa se era filho de Deus (ou não), se existem evidências históricas da sua existência, o que importa é o fenômeno Jesus, que contagiou – ENCANTOU - a humanidade.
Somente espero que algum dia estejamos tão “encantados” por sua mensagem que superemos a infância do nosso processo evolutivo (infância porque, ainda, destrutiva) e possamos nos apossar totalmente da nossa  humanidade.
  
Santacruz (reprodução de idéias contidas no livro “Vida de Jesus” de Ernest Renan, com intervenções minhas que esclarecem o meu pensamento sobre esse fenômeno da nossa cultura).

Julho de 2013



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Refletiu? Então agora voe!